Tudo tem o seu tempo e os bispos sabem isso


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Tudo tem o seu tempo e os bispos sabem isso
Por Jorge Messias


«Nós contribuímos com os impostos dos portugueses, com 1,2 mil milhões de euros, para ajudar o trabalho que as IPSS fazem, um trabalho extraordinário. Se fosse o Estado a ter esse trabalho, seguramente que custaria três a quatro vezes mais porque temos várias componentes a tomar em consideração … As IPSS têm sempre “ratios” de gestão melhores que os do Estado!» (Marco António Costa, Secretário de Estado da Solidariedade e Segurança Social, Abril de 2012 ).

«O terceiro sector abrange um conjunto alargado de entidades organizadas, privadas, não distribuidoras de lucros, auto-governadas, voluntárias, podendo assumir várias formas jurídicas. Com este mesmo sentido, outras expressões podem usar-se: economia solidária, terceiro sistema, economia alternativa, sector não lucrativo, etc.» (Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional das Beiras, 21.3.2012).

«Com a entrada em vigor do novo Protocolo de Cooperação entre o Estado e o Sector Solidário são consagradas as seguintes disposições: validade por dois anos; aumento de 1,3% em relação ao OE de 2010; flexibilização e maximização das capacidades instaladas nas IPSS; inovação e alargamento no apoio domiciliário, nos centros de noite e numa rede solidária de cantinas sociais; restituição do IVA suportado pelas IPSS; reforço do Fundo de Socorro Social; abertura de uma linha de crédito de 50 milhões de euros; flexibilização das comparticipações familiares; acompanhamento pelo CNIS da atribuição de subsídios às IPSS; direito de escolha dos pais na valência dos ATL» (Solidariedade, Janeiro de 2012, Padre Lino Maia).


Tal como sempre, a Igreja proclama pairar acima das políticas e dos interesses materiais. «É uma hipocrisia», cochicham entre si os portugueses… «Assim, não há salvação...», balbuciam timidamente os católicos. Mas os bispos, pouco interessados nas opiniões impotentes das suas «ovelhas», somam e seguem. Sabem que sem o apoio dos ricos todos os seus púlpitos desabariam. E os ricos nunca duvidaram que sem o suporte das grandes igrejas, o Poder se confrontaria abertamente com as revoltas populares.

Para qualquer jornal, em termos de ocupação de espaço, o desenvolvimento deste simples tópico seria incomportável. Porque a vida política das sociedades capitalistas é pautada pela duplicidade, nunca se descreve simplesmente. E a da Igreja, também. A mesma palavra vale em dois sentidos e é assim que os opressores esmagam impunemente os oprimidos. Tão poderosa é a palavra com dois gumes: o laico e o religioso.

Após a promulgação do Novo Protocolo entre um Governo com vocação fascizante e uma Igreja que procura bons negócio custe o que custar, deu-se um passo em frente numa caminhada comum. A concórdia entre a Igreja e o Estado e a Concordata entre o Estado e a Igreja irão prevalecer à custa do esmagamento da Constituição da República. Mantem-se as intenções de fundo e Passos Coelho dá aparentemente um passo à esquerda ao consentir em falar na fome dos pobres e nas cantinas sociais (que o Banco Alimentar certamente irá gerir). A Igreja, essa dá um passo à direita e adopta o discurso ultraliberal da flexibilização, maximilização, inovação e empreendorismo, etc., recolhendo em troca mais subsídios, mais isenções fiscais, mais utentes da Segurança Social, maior crédito bancário com o aval do Estado e alargando o seu campo de intervenção nas áreas da saúde, do trabalho, do ensino e da família, que são seguramente aquelas de maior interesse imediato para os católicos. Tudo isto à custa do aumento da pobreza, da miséria e do obscurantismo e exploração das populações. O que pouco interessa aos bispos portugueses. Só os resultados financeiros importam. Depois, uma das mãos lava a outra mão.

Mas o episcopado da Igreja-empresa portuguesa, para avançar, tem obstáculos a remover do caminho. É-lhe necessário «cortar» nas despesas, centralizar serviços, sanear os resistentes, garantir novos financiamentos e alargar acordos com as forças dos mercados. Certamente que tendo essas urgências em vista, os bispos começaram já a anunciar vagas de despedimentos nas IPSS, a insolvência de centenas delas e a entrada do sector solidário «num contexto de crise financeira».

O problema social português vai agravar-se, sem sombra de dúvidas, nos próximos meses. Aproxima-se o prazo-limite para os crentes imporem velhos rumos à classe política portuguesa. Depois, será demasiadamente tarde.

Tudo tem o seu tempo e os bispos sabem que assim é.



Texto original publicado no JORNAL AVANTE



O Mafarrico Vermelho

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