A guerra aos pobres e a política de “paz” para o empresariado no Rio de Janeiro

A guerra aos pobres e a política de “paz” para o empresariado no Rio de Janeiro
 
por Luís Fernandes*

"A Juventude que vive nas zonas populares é o principal segmento que sente em seu cotidiano as implicações das diversas faces da dominação pela “paz”. A “pacificação” como a “guerra” ao tráfico já mataram milhares de jovens e vende ilusões de “inclusão” que a expansão capitalista não pode resolver. As histórias de Alielson, Mateus, Jefferson e tantos outros não devem ser naturalizadas, nem encaradas como uma falha residual do nosso Estado Democrático de Direito. Infelizmente, a coerção é o um elemento constitutivo para a conformação da hegemonia das classes dominantes, ou seja, a morte destes jovens sustenta a “paz” para os senhores."


“Só havia um caminho para que vencêssemos a letargia que dominava o estado. Eike Batista teve uma participação especial. A iniciativa privada deve participar do processo da construção da paz”, disse o governador. O empresário bancou a construção das duas unidades. A da Fazendinha custou R$ 1,67 milhão, e a da Nova Brasília, R$ 1,189 milhão. Eike não compareceu à cerimônia, mas mandou um diretor da EBX representá-lo. Cabral também agradeceu ao exército, citando o nome do ex-ministro da Defesa, Nelson Jobim – que ocupava o cargo na época da ocupação da comunidade – e destacou a “firmeza incrível” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nas duas unidades da comunidade – que tem 40 mil moradores – vão trabalhar 660 agentes policiais.”1

“Candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff (PT), o deputado Michel Temer (PMDB) disse ontem que o país é seguro para investimentos porque vive momento de “pacificação social” e segurança jurídica. Para exemplificar a teoria, afirmou que os “mais pobres” e os movimentos sociais estão “pacificados” e que a classe média não está inquieta. Temer participou ontem de almoço patrocinado pela Câmara Portuguesa de Comércio. A entidade convidou os candidatos à Presidência, mas Dilma mandou Temer, porque tinha outra agenda. “Falo de um Brasil internamente pacificado”, afirmou ele em sua apresentação. “Se os movimentos sociais não estiverem pacificados, se os setores políticos não estiverem pacificados, se os setores financeiros não estiverem pacificados, se aqueles mais pobres não estiverem pacificados, se os da classe média estiverem inquietos, isso gera uma insegurança que é prejudicial”, declarou Temer.”2

Rio de Janeiro-Brasil, ano de 2013, cidade e país sede de grandes eventos atrativos de inúmeros investimentos nacionais e estrangeiros. Em especial, na capital fluminense, podemos afirmar com tranquilidade que nunca se acumularam tantos capitais, em espaço e tempo, como neste período. E o protagonista deste movimento? O Estado. Segundo o dossiê da candidatura do Rio para as Olimpíadas de 2016, 94,91% dos investimentos seriam de recurso público diretamente ou através de financiamentos. Com o passar do tempo, já podemos constatar a “transferência de renda” dos investimentos públicos para os monopólios privados, via as diversas formas de políticas privatistas que assolam desde áreas estratégicas da economia fluminense e brasileira como o petróleo, até serviços sociais básicos como saúde, esporte, cultura, educação, previdência, etc.

 


Em meio a este momento de grande acumulação, concentração e consequentemente aumento das desigualdades, o discurso eufórico de “grandes oportunidades”, “democratização” do consumo e “inclusão” social começa a enfraquecer, visto a intensificação dos problemas estruturais da sociedade brasileira sentidas, especialmente, pelo povo trabalhador: mercantilização da saúde, educação, moradia, enfim elementos básicos para a vida humana. Estas questões já estão sendo bem debatidas, denunciadas e refletidas por uma gama considerável de movimentos populares, organizações políticas e gente de esquerda. No entanto, uma parte considerável parece ignorar um elemento social continuador da perversa via de desenvolvimento “pelo alto” do capitalismo brasileiro: o terrorismo de Estado, via criminalização dos pobres.

Semana passada, no mesmo Rio de Janeiro, em franca onda de investimentos e expansão dos capitais, ocorreram três fatos (cotidianos) bárbaros no Jacaré, Manguinhos e Ramos. Três jovens Alielson Nogueira, Mateus Case, Jefferson Costa, negros e pobres foram executados a tiros, e um deles eletrocutado, por ações da Polícia, duas delas em áreas de UPP. Segundo as informações divulgadas, os três tinham trabalho regular e sem antecedentes criminais.

Todavia conforme citamos no início deste artigo, o discurso de representantes do Estado na figura do governador do Rio de Janeiro e do vice-presidente da república, tratavam-se de declarações que falam de paz e pacificação da sociedade brasileira, mas apenas uma pergunta que não quer calar: paz para quem e para o que? Creio que esta pergunta, já está contida na declaração de ambos. Para Michel Temer, a pacificação é um bom pressuposto para o recebimento de “investimentos seguros” no país, Sergio Cabral assume que esta onda de paz só é possível com a parceria entre Estado e empresariado, inclusive cita um dois dos principais operadores da “paz”: o empresário Eike Batista e o “corajoso” ex-presidente Lula.

Após a implementação da UPP no complexo do Alemão e no mesmo Jacaré, local da execução de um dos jovens citados, os preços dos imóveis dobraram, centenas de famílias já foram despejadas de suas casas. Estes tristes episódios, infelizmente não são uma exceção nem apenas obra do mau caratismo de um ou outro governante. As políticas de transferência da renda pública para o empresariado através das diversas formas de privatização, a democratização do “crédito”, a ausência de qualquer reforma estrutural em nossa sociedade, e principalmente, o terrorismo de estado nas zonas populares, são peças chaves para a garantia da “paz” de Temer, Cabral, Eike, Lula e muitos outros. Esta “paz” é a garantia de preservação da acumulação capitalista, em nosso tempo cada vez mais associada a regressão a estágios mais bárbaros e degradantes da espécie humana. Pelo capital se persegue, tortura, executa como também se constroem mecanismos sofisticados de dominação cultural e ideológica, principalmente via os monopólios midiáticos e a industria cultural.

Contudo, insistimos que apesar da sofisticação, ainda existe uma linha fundamental de continuidade nas ações do Estado Brasileiro junto às classes populares: a questão da desigualdade social é um caso de polícia. As UPP´s financiadas por Eike também podem lembrar as guardas nacionais, criadas no Brasil Imperial a serviço dos interesses das oligarquias na preservação do status quo. Qual a semelhança? O braço armado e repressivo do Estado a serviço da “paz” para as classes dominantes. Como? Apesar das diferenças a continuidade das torturas, as execuções e o cotidiano terrorismo à vida dos subalternos!

A Juventude que vive nas zonas populares é o principal segmento que sente em seu cotidiano as implicações das diversas faces da dominação pela “paz”. A “pacificação” como a “guerra” ao tráfico já mataram milhares de jovens e vende ilusões de “inclusão” que a expansão capitalista não pode resolver. As histórias de Alielson, Mateus, Jefferson e tantos outros não devem ser naturalizadas, nem encaradas como uma falha residual do nosso Estado Democrático de Direito. Infelizmente, a coerção é o um elemento constitutivo para a conformação da hegemonia das classes dominantes, ou seja, a morte destes jovens sustenta a “paz” para os senhores.

A solução? Creio que a luta por direitos humanos limitada a um regime que ameaça o próprio reconhecimento universal do homem enquanto espécie, não ataca radicalmente a relação entre o Estado brasileiro e as classes populares. É necessário associarmos os direitos humanos enquanto uma bandeira fundamental de luta pela emancipação dos próprios trabalhadores. Inclusive, é este o potencial revolucionário dos milhares de homens e mulheres que vivem do seu trabalho, ao lutarem contra um Estado que se comporta em sua principal finalidade ,como definiu Engels, “enquanto um mero comitê de negócios de toda a burguesia” potencializam a própria emancipação e reconhecimento da espécie humana. Por isso, para que as mortes de tantos jovens como Alielson, Mateus e Jefferson não tenham sido em vão, é preciso que lutemos e questionemos não apenas a violência banal e desumana, mas as próprias relações sociais que se sustentam a partir dela, conforme Brecht bem nos ensina:

“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.”
Bertold Brecht




* Luís Fernandes é historiador e integrante da Coordenação Nacional da UJC.
 
2 Declarações do vice-presidente do Brasil, Michel Temer, publicadas no jornal Folha de São Paulo, 27 de agosto de 2010.http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/po2708201032.htm
 
 
 
 
 
 
 

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