Um novo movimento surge nos Estados Unidos. Para onde se dirige?

Um novo movimento surge nos Estados Unidos. Para onde se dirige?
por John Catalinotto*


"É quase impossível exagerar o papel central do racismo no capitalismo estadunidense. O impacto histórico de 400 anos de escravatura continua a oprimir a população afro-americana e afecta as outras populações de cor. Inclusive, depois da Guerra Civil ter posto fim à escravatura legal em 1865, a classe dirigente esclavagista do Sul e os capitalistas do Norte acordaram despojar os afro-americanos dos direitos políticos e econômicos que lhes tinham sido prometidos. Não foi suficiente movimento de direitos cívicos nos anos 1960 e as várias rebeliões nas cidades para que se pusesse fim à segregação legal. "


Com o fim de 2014 surge nos EUA um novo movimento político. Este movimento está apenas a começar. É muito cedo para prever a que velocidade se vai desenvolver ou o que vai fazer a classe dirigente para o tentar parar. Mas este movimento já despertou uma nova geração para a luta. E fê- lo numa base solidária mais forte que o movimento Ocupar Wall Street em 2011. Este novo movimento surgiu nos EUA durante o último Verão, como resposta aos assassínios racistas de afroamericanos executados pela polícia. Em 13 de Dezembro, centenas de pessoas, sobretudo jovens, brancos, negros e mulatos saíram às ruas de 200 cidades de todo o país, paralisando a circulação e fazendo «die-in» [N.do T.: atirando-se ao chão, simulando estarem mortos] para dizerem não à impunidade policial. A generalidade das massas que se manifestavam seguia os líderes das organizações e de indivíduos afro-americanos que marcavam o tom destas manifestações.

Este novo movimento desenvolve-se no mesmo ambiente em que decorre a política mundial desde 2008: uma crise sistémica do capitalismo que vai muito além do ciclo «normal» do capitalismo de expansão e de recessão, para uma estagnação permanente. Apesar de uma recuperação dos negócios nos EUA, a crise entrou numa outra fase na Europa e nos países BRICS. Uma recessão permanente para todos os trabalhadores, acompanhada de uma crise ambiental que põe em perigo a existência de seres vivos na Terra. Além dos medos existenciais, uma agressividade crescente dos países imperialistas dirigidos por Washington, faz pairar o espectro de novas e desastrosas guerras. 

A NATO devia retirar-se proximamente do Afeganistão. Agora o Pentágono prepara o envio de mais 1.000 novos soldados. Obama ordenou o regresso ao Iraque de 3.200 soldados e recrudesceu os bombardeamentos ao Iraque e à Síria, a pretexto de atacar o Estado Islâmico. Drones made in EUA levantam voo para despejar mísseis sobre o Paquistão, o Iémen e outras regiões de África. Ainda mais perigoso: a provocação ocidental à Rússia na Ucrânia, onde Washington organizou um golpe de Estado apoiando-se em elementos pró-fascistas e anti-russos. Apesar do anúncio de Obama do restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba, Washington prossegue o seu incitamento à subversão na Venezuela e outros países da ALBA. Durante todo este tempo, o Senado dos EUA denunciava as torturas da CIA, mas abstinha-se de castigar os criminosos, desde a cúpula da Administração de George W. Bush aos sádicos de Guantánamo. 

Sublinhamos estes aspectos sobretudo para mostrar que este novo movimento desperta, no momento em que o fracasso do capitalismo na resolução das grandes crises que vive a humanidade, na prática, caiu sobre a cabeça dos jovens. Estão agora mais cépticos quanto ao papel do imperialismo norte-americano que em qualquer outro momento, desde o desaparecimento do campo socialista em 1989-1991. 

Luta contra o racismo e brutalidade policial 

O assassínio por um polícia do jovem Michael Brown, de 18 anos e desarmado, em Ferguson, Missouri, no último dia 9 de Agosto, marcou uma volta na luta contra a racista repressão policial. Rebentou uma rebelião de afro-americanos deste bairro pobre de S. Luís. Em vez de uma labareda que se apaga rapidamente, esta rebelião transformou-se numa exigência contínua de justiça e de direitos civis. Ganhou o apoio nacional, particularmente depois das forças da Guarda Nacional, com espingardas de assalto, coletes anti-bala e carros blindados apontaram as suas armas a civis desarmados, e de as pessoas lhes terem feito frente. Todo o país tomou consciência que, desde 2001, através do novo ministério da Segurança Interna, o Pentágono tinha fornecido milhares de milhões de dólares em armas pesadas a centenas de postos de polícia locais. E não apenas em Nova Iorque com os seus 35.000 polícias, também centenas de cidades têm as suas próprias equipas de SWAT [N. do T.: Equipas de Armas e Tácticas Especiais ou unidades de elite treinadas para levar a cabo operações de «alto risco»].

Quando o procurador manipulou o grande júri para que não incriminasse o polícia assassino e tomou essa decisão em 24 de Novembro desencadeou-se, logo no dia seguinte, uma nova série de manifestações, a nível nacional, afectando mais de 170 cidades. Esta resposta teve uma repercussão sem precedentes. Foi muito além deste assassínio, pois acusava a polícia como a força da primeira linha de um Estado racista e capitalista. A polícia é uma força de ocupação racista onde haja uma comunidade de pessoas oprimidas, como negros, latinos, asiáticos, muçulmanos ou nativos («índios»). Acabar com a impunidade dos polícias é o objectivo principal do novo movimento, de que o slogan principal é «A vida dos negros conta!».

Imediatamente depois, um novo simulacro de justiça teve lugar dia 3 de Dezembro, quando um grande júri de Nova Iorque decidiu não acusar nenhum dos polícias implicados no assassínio de Eric Garner, um afro-americano, desarmado, de 43 anos, no Verão passado. Um jovem latino tinha filmado os polícias quando matavam Garner e dezenas de milhões de pessoas viram o vídeo, a princípio nas redes sociais e mais tarde nos programas informativos das televisões comerciais, com Garner a suplicar aos polícias repetindo 11 vezes :«Não consigo respirar!

Papel histórico do racismo 

É quase impossível exagerar o papel central do racismo no capitalismo estadunidense. O impacte histórico de 400 anos de escravatura continua a oprimir a população afro-americana e afecta as outras populações de cor. Inclusive, depois da Guerra Civil ter posto fim à escravatura legal em 1865, a classe dirigente esclavagista do Sul e os capitalistas do Norte acordaram despojar os afro-americanos dos direitos políticos e econômicos que lhes tinham sido prometidos. Não foi suficiente movimento de direitos cívicos nos anos 1960 e as várias rebeliões nas cidades para que se pusesse fim à segregação legal.

É elucidativo comparar as taxas de desemprego ao longo dos anos entre os afro-americanos e os brancos. O gráfico abaixo mostra como, durante 60 anos, a taxa de desemprego para os trabalhadores negros era quase permanentemente duas vezes a taxa de desemprego dos trabalhadores brancos. E a mesma diferença quanto à pobreza e à população empregada com baixos salários: as pessoas afro-americanas são duas vezes mais pobres e têm o dobro dos empregos com salários baixos. As estatísticas são igualmente desproporcionadas para os e as latino-americanos e os autóctones. Quanto à repressão do Estado, o contraste é ainda mais impressionante: a taxa de encarcerados afro-americanos é seis vezes maior que a mesma taxa de brancos. Mais de metade dos 2,3 milhões de presos do país são pessoas de cor. Quanto aos mortos pela polícia, a taxa é 21 vezes superior para os afro-americanos. Diga-se que a polícia mata à volta de 400 pessoas por ano (www.propublica.org/article/deadly-force-in-black-and-white). Michel Alexander, no seu livro «The New Jim Crow: Mass Incarceration in Age of Colorblindness», insiste  no facto de entre 1970 e 1995, o encarceramento de afro-americanos foi multiplicado por sete, o que significa uma forma disfarçada de escravatura.

A rápida evolução da demografia, sobretudo devido à imigração, fez com que 100 dos 320 milhões de pessoas dos EUA sejam pessoas de cor. Esta proporção dentro da classe operária é ainda mais elevada. Nalgumas das zonas onde os trabalhadores começaram a lutar contra o ataque implacável da classe dirigente – por exemplo, na tentativa de organização dos trabalhadores com salário baixos na indústria de comida rápida (McDonald) ou nas cadeias de grandes superfícies (Walmart) – são geralmente pessoas trabalhadoras de cor, nas quais as mulheres estão à cabeça. Em função das suas diferentes experiências de vida este sector da classe operária tende a ser mais crítico e politicamente mais consciente que a parte da população branca que também é pobre. A solidariedade entre todos os sectores de trabalhadores pobres é essencial para que as lutas triunfem.

Como vai continuar a luta?

Não importa tanto o que vai suceder; uma grande alteração já teve lugar. Muitas dezenas de milhares de pessoas participaram nas prolongadas acções militantes. Muita raiva e indignação surgiram não apenas em Ferguson e em Nova Iorque, mas a cada novo exemplo de impunidade concedida pelo sistema judicial aos polícias assassinos. A força deste movimento está na solidariedade entre os seus participantes negros, mulatos e brancos, seguindo todos a direcção das mulheres e homens afro-americanos, geralmente jovens, que assumiram uma maior responsabilidade. É um novo movimento com uma nova liderança ainda não de todo definida. Há sinais de simpatia entre o movimento de luta contra a brutalidade policial de aqui e de apoio aos movimentações na Palestina e contra a guerra imperialista, ainda que tudo se encontre num estado inicial. Há alguma identificação com as lutas dos trabalhadores com baixos salários por salários mais altos e alguma organização sindical. É uma luta, como diria José Martí, no «ventre da besta» e, no mínimo, vai provocar uma má digestão ao imperialismo estadunidense.



*John Catalinotto, é chefe de redacção do jornal operário Worker´s World, Nova Iorque

Este texto foi publicado em: http://tlaxcala-int.blogspot.com.es/2014/12/a-new-movement-arises-inunited-states.html

Tradução de José Paulo Gascão


Fonte em http://www.odiario.info/b2-img/UMNOVOMOVNASCENOSEUAPOR.pdf


Mafarrico Vermelho

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O complexo militar industrial e a energia nuclear

Tortura nas prisões colombianas: sistematismo e impunidade revelam uma lógica de Estado

Campo de Concentração do Tarrafal - o Campo da Morte Lenta